terça-feira, 19 de outubro de 2010

A cada duas semanas, um dos sete mil idiomas registrados no mundo se extingue

Dois anos atrás, uma equipe de linguistas mergulhou nas remotas colinas do nordeste da Índia para estudar idiomas pouco conhecidos, muitos deles apenas falados e correndo o risco de desaparecer.

A cada duas semanas, em média, um dos sete mil idiomas registrados no mundo se extingue, e a expedição buscava documentar e ajudar a preservar aqueles ameaçados nessas vilas isoladas.

Os linguistas atravessaram um veloz rio das montanhas numa jangada de bambu e chegaram até a minúscula vila de Kichang. Eles esperavam ouvir as pessoas falando “aka”, uma língua bastante comum naquele distrito. Em vez disso, eles ouviram um idioma que, segundo os linguistas, soava diferente do aka assim como o inglês para o japonês.

Após uma investigação mais detalhada, os pesquisadores anunciaram na semana passada a descoberta de uma língua “oculta”, conhecida localmente como “koro”, completamente nova ao mundo de fora daquelas comunidades rurais. Enquanto o número de idiomas falados segue diminuindo, ao menos um foi adicionado ao inventário – embora o koro também esteja à beira da extinção.

“Percebemos instantaneamente” aquele idioma distinto e desconhecido, afirmou Gregory Anderson, diretor do Instituto Línguas Vivas para Idiomas Ameaçados, em Salem, Oregon.

Anderson e K. David Harrison, um linguista da Faculdade Swarthmore, foram os líderes da expedição, parte do Projeto Vozes Permanentes da Sociedade National Geographic. Outro membro do grupo era Ganash Murmu, linguista da Universidade Ranchi, na Índia. Um artigo científico será publicado pela revista “Indian Linguistics”.

Quando os três pesquisadores chegaram a Kichang, eles foram de porta em porta pedindo que as pessoas falassem em seu idioma nativo – uma tarefa não muito árdua numa vila com apenas quatro casas de bambu. As pessoas dali vivem criando porcos e plantando laranjas, arroz e cevada. Eles compartilham a economia de subsistência e a cultura com outros na região que falam aka, ou miji, outro idioma de certa forma comum.

Na varanda de uma das casas, os linguistas ouviram uma jovem chamada Kachim contar sua história em koro. Ela havia sido vendida como noiva infantil, foi infeliz em sua nova vila e teve de superar dificuldades antes de finalmente encontrar a paz em sua nova vida.

Os pesquisadores inicialmente suspeitaram que o koro fosse um dialeto do aka, mas suas palavras, sintaxes e sons eram totalmente diferentes. Poucas palavras em koro eram as mesmas em aka: montanha em aka é “phu”, mas “nggo” em koro; porco em aka é “vo”, mas em koro é “lele”. Os dois idiomas compartilham apenas 9% de seu vocabulário.

Os linguistas gravaram a narrativa de Kachim em koro, e uma equipe de TV indiana a fez repetir tudo em híndi. Isso não só permitiu que os pesquisadores compreendessem sua história e linguagem, mas chamou a atenção para as pressões culturais que ameaçam a sobrevivência desses idiomas – indo contra idiomas nacionais dominantes em escolas, no comércio e na mídia de massa.

No livro The Last Speakers: The Quest to Save the World’s Most Endangered Languages” (Os Últimos Falantes: A Jornada para Salvar os Idiomas Mais Ameaçados do Mundo - tradução livre), publicado no mês passado pela National Geographic Books, Harrison apontou que os falantes de koro “estão totalmente misturados a outros povos locais, e provavelmente não sejam mais de 800”.

Além disso, os linguistas não sabem ao certo como o koro sobreviveu por tanto tempo como um idioma viável. Harrison escreveu: “O koro não é dominante em nenhuma vila, nem mesmo numa família grande. Isso gera curiosos padrões de fala, raramente encontrados num estado estável de qualquer outro lugar”.

Por outro lado, ha cerca de 10 mil falantes de aka vivendo numa relação próxima com falantes de koro num distrito do estado de Arunachal Pradesh, onde são falados pelo menos 120 idiomas. Anderson afirmou que a coexistência de idiomas separados, entre dois grupos integrados que não reconhecem uma diferença étnica entre eles, é altamente incomum.

À medida que Harrison e Anderson expandiram sua pesquisa, comparando o koro com centenas de idiomas, eles determinaram que essa linguagem pertencia à família das línguas tibeto-birmanesas, que inclui 400 idiomas relacionados aos amplamente usados tibetano e birmanês. Porém, o koro nunca havia sido reconhecido em nenhuma pesquisa sobre as cerca de 150 línguas faladas na Índia.

O esforço para identificar “pontos importantes de idiomas ameaçados”, segundo os linguistas, é essencial para a tomada de decisões que visam preservar e ampliar o uso desses idiomas, que são repositórios da cultura e da história de um povo.

No caso dos falantes de koro, Harrison escreveu em seu livro, “embora possa parecer que eles estejam gradualmente abandonando sua linguagem, ela continua sendo o traço mais forte que os identifica como um povo distinto”.

Por
John Noble Wilford - The New York Times
Pedro Kuyumjian - Publicado em 18/10/2010 em BOL e UOL - Ciência e Saúde

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"Morre a última pessoa do mundo a falar o idioma "bo", uma linguagem de 65 mil anos".

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