“Não existem regências diferentes, mas diferentes técnicas
de ensaio”
(Robert
Shaw in "The Meadow Brook Music Festival", Agosto/1967)
Por Samuel Kerr
O próprio ensaio pode ser a razão de existir de um coro e
penso que encontraremos para ele um caminho quando não houver mais a preocupação
de preparar espetáculos para os outros assistirem (palco/platéia), mas a de
conquistar mais cantores, ampliar a convivência e o volume da canção. É preciso
recuperar a capacidade de as pessoas fazerem música, independente do fato de
saberem ou não cantar. A convivência coral é sempre terapêutica e capaz de
provocar a eclosão de qualidades e vibrações sonoras que definem o repertório
escondido dentro de cada pessoa.
Convidar a cantar! Eis aí uma bonita função
para o regente! Convidar édiferente de mandar... A figura do regente irritado,
superior em seus conhecimentos, não convida ninguém a atuar. Que bom valorizar
sempre o menor dos resultados! Atuações não previstas, mesmo quando consideradas
erros indicam caminhos em direção ao entendimento do que se pretende ou do que a
partitura pede.
O cantor também sabe coisas, outras... O coro sabe, a
comunidade sabe. A reunião de cantores é para revelar o que todos já sabem, mas
que não têm, ainda, um instrumento sintonizador... Pretender ensinar é ignorar o
conhecimento que já existe! Na dinâmica de ensaio, isto é, na condução do ensaio,
as dificuldades na execução da partitura não podem ser consideradas como
problemas, (aliás, não gosto de usar esta palavra em nenhum momento). É sempre
melhor ter uma solução que um problema. Os cantores não têm por função resolver
problemas, ao contrário, devem ser movidos por soluções, que estarão nas mãos do
regente e, muitas vezes, na consciência dos cantores. (Demorei muito para
entender isso). No entanto, nem sempre os coros, atualmente, nascem em comunidades cantantes
(como acontece em certas Igrejas e em certos lugares onde as pessoas aprendem a
cantar desde crianças).
Daí ser muito importante o regente saber propagar a
alegria em cantar e convidar a todos, como se fosse, e como já dito,
um terapeuta da comunidade. Para tanto precisa estar atento ao repertório que
rege e às condições de vida da comunidade. E gostar muito de fazer o seu
trabalho, de transmitir sua alegria pela oportunidade que tem, sem lastimar
estar longe de valores, que talvez tenha aprendido serem necessários à evolução
da sua carreira.
“Eu não vou pro Coral, porque o Maestro faz teste e tenho
medo de ser reprovado”
“Eu nunca imaginei que poderia cantar!”
“Eu podia estar lá ...” (um espectador)
Eu sempre recomendo aos meus alunos de regência: antes de
você ser chamado de regente ou maestro, identifique sua função como sendo a de
um líder. A comunidade, que confia em você, irá atrás, mesmo que você não se
intitule maestro ou regente. Você é músico e tem responsabilidades diante da
comunidade como articulador dos sons, identificador das capacidades musicais,
animador do exercício musical, ativador da memória sonora da cidade e das
pessoas. Até regente você pode ser, porque você é um líder.
Ao organizar os sons
possíveis, você se exercita como arranjador. Ao liderar as disponibilidades,
você se exercita como regente. É como se fosse possível você se olhar, se ver
contando uma estória, imitando um personagem... Tente reparar na riqueza dos
seus gestos, não só nas mãos e nos braços, mas em todo o corpo, no brilho dos
olhos, no empenho da sua voz, na beleza da melodia de sua fala... É como se você
recuperasse um sonho, assistisse a um filme, surpreendesse um flagrante
inesperado... Traga esses gestos para o momento da regência... Que sons eles
produziriam? Que sonhos realimentariam? Que estímulos provocariam nas vozes dos
seus cantores? Repare que o seu gesto (um gesto comum) é pleno de fantasia.
Observe o gesto; alimente a fantasia; invente o gesto... Penso que devemos evitar
medidas disciplinares, pois provocam contrações musculares no rosto e até no corpo todo. “Cale a boca!”,
jamais!
O cantor compreende a orientação, na medida em que o gesto
que você usa,ele também o tem e o reconhece. Lembrar-se sempre de que o cantor não
tem o discurso musical inteiro, no processo do ensaio; ele depende de você
para compreender o texto musical e realizá-lo por inteiro. O ajuste final é do
regente, mas, até lá, a orientação foi dada em função das possibilidades do
cantor.
Capítulo extraído de "Ensaios - Olhares sobre a Música Coral Brasileira", Oficina Coral (RJ) 2007, Samuel Kerr et al
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