segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A demusicalização da Igreja


As pessoas estão cantando em uníssono e nem sabem que existem outras possibilidades


Me lembro muito bem. Eu era bem pequena quando a minha mãe me ensinou como eu poderia cantar as músicas, seguindo um hinário com partituras. Foi simples: “Você começa no número um e vai em frente; quando acabar a linha, você vai para o número um da outra linha e assim por diante, quando acabar todos os números uns, você começa no dois". E assim foi.

Dona Therezinha se convertera na adolescência e dava muita importância à criação dos filhos numa Igreja onde fosse ensinada a Palavra de Deus. Era (e é) uma mulher dedicada. Embora admirasse música, achava que não tinha o “dom” de ler um monte de “bolinhas”. Um dia (talvez no mesmo tempo em que eu aprendia o alfabeto), ela me ensinou três gestos que havia aprendido num seminário. Eram o dois, o três e o quatro. Bastava que eu olhasse o primeiro número que vinha na partitura (e eu também já sabia o que era uma partitura) e combinasse o meu gesto com aquele número. Sem querer, ou já querendo, eu acabara de aprender os rudimentos da regência.

Bom, mas eu ainda era pequena... o coral ensaiava. Eu corria pelos corredores, brincava de pega-pega, e as palavras entravam na minha mente: soprano, contralto, tenor, baixo, naipe... a voz de tenor do meu pai que já canta no céu há 17 anos ainda ecoa nos meus ouvidos. Quando foi que ouvi isto pela primeira vez? Acho que foi muito antes de me conhecer.

Certo dia levei uma amiga que, não acostumada a cultos, perguntou-me: “Por que aquele homem está abandonando a mão lá em cima?” Eu respondi: “Ele está dirigindo a música”. Todos olhavam pra ele e obedeciam as suas mãos. Ele não havia ensinado às pessoas daquela igreja qual seria o gesto de entrada e o de finalização. Teria se esquecido? Às vezes, no meio da canção ele fazia outro gesto e a igreja parava numa nota. Era um suspense musical logo resolvido com outro gesto que indicava que todos poderiam cantar novamente. Era mágico. Não haviam explicações explícitas, e sim códigos que se encontravam nas mãos, nas vozes, nos olhares.

Durante o culto, a voz de uma senhora servia como imã aos meus ouvidos. Um contralto excelente. Minha voz perseguia a dela. Em qualquer lugar que ela sentasse, sim eu a acharia. Sem me dar conta de que este era o segredo do “cantar em vozes”, todo culto se tornava uma viagem musical. As melodias que aquela mulher inventava, diferentes da melodia principal, soavam lindamente. Era a harmonia se apresentando a mim.

Solos, duetos, trios, conjuntos... tudo isto me era muito familiar. Era a musicalização acontecendo numa pequena igreja da periferia de São Paulo. Hoje, várias pessoas conduzem o culto (mais do que o necessário). Todas com microfone. Procuro a voz daquela senhora, um contralto.

Por favor, uma segunda voz para se juntar à minha! Não ouço. As pessoas estão cantando em uníssono e nem sabem que existem outras possibilidades.

Tento escutar a pessoa ao meu lado. Não escuto. Não escuto nem a mim mesma.

Escuto vozes ao microfone. Elas parecem entender do que fazem. Seus rostos deixam esta impressão. Será que ouvem também quando desafinam? Por que não ouço o povo? Eu ouço apenas algumas “privilegiadas vozes”.

Metade da igreja não canta. Chego a pensar se faria diferença na música se metade da igreja não estivesse ali. Não faz falta. Tanto faz a quantidade dos prestadores de culto. No final das contas o que aparece mesmo é o que está amplificado pela caixa de som. As pessoas não são conduzidas ao canto. Ao invés disto elas apenas sentem que suas vozes não pertencem ao grande grupo vocal formado para adorar ao Senhor através da música.

A equipe de louvor, erroneamente assim nomeada, acha que tem o direito de fazer sobressair a sua voz. Por que continuam insistindo em tirar o louvor que pertence ao povo? Onde está a voz do povo?

E viva a tecnologia! Ninguém precisa de hinário. Põe a letra na transparência. E assim não precisamos mais aprender onde é a primeira estrofe, a segunda estrofe... Poderíamos usar a tecnologia para acrescentar, e não só para facilitar. Deve haver um limite entre o facilitar e o emburrecer. Claro que a intensa produção musical não permite tempo para a escrita de tanta partitura. Então, façamos algumas transparências só com a letra, e outras com partitura. E quando mostrarmos apenas a letra, obedeçamos a frase poética da música. Indiquemos as partes a serem repetidas. Ou confiemos que a equipe de louvor nos dê entradas seguras. Hummm... agora senti saudade daquele cara que ficava lá na frente, abanando as mãos. É porque quando eu percebo que tenho que iniciar a música, esta já começou há algum tempo. Me sinto sempre atrasada. Vejo que também aqueles que estão lá na frente, muitas vezes também entram em tempos diferentes... será um cânone?

O Jô (aquele do programa) defende que “as verdadeiras mudanças acontecem com tecnologia e cultura”.

Bem-vindo data-show! Aquele aparelhinho que nos ajuda a associar imagens com as letras das músicas. Nem sempre. Todo recurso é como um tempero. Você não coloca orégano em toda a sua comida. Todas as canções precisam ser acompanhadas de imagem? Não somos capazes de imaginar? Não somos hábeis para fechar os olhos e apenas ouvir? É a poluição visual chegando... E quando o culto termina, eu vi tantas imagens que não me lembro de nenhuma em especial.

E ainda temos que nos dar por felizes quando toda a tecnologia funcionar.
E então vejo os leigos. Sentem-se perdidos. Perguntam-se porquê “deixaram” que a bateria entrasse na igreja. Pobre bateria...

Que fique a bateria, e entrem os violinos, os trompetes, as flautas, os corais, o canto afinado. Que permaneça o pop e entre o erudito. Viva a tecnologia aliada à cultura!

E assim, no processo de desmusicalização da igreja, leigos não têm argumentos e por isso vão perdendo o direito de pertencer ao grande coro que deveria se formar em todos os cultos.

Márcia Graner é bacharel em música (escolacoral@musician.org)
http://www.jpjornal.com.br/news.php?news_id=30817

8 comentários:

Lucimauro Marques Ferreira. disse...

Amado Sílvio araújo,a paz do Senhor!
É uma honra presenciar as vossas palavras no nosso humilde blog.
Muito obrigado pelo gesto de carinho e por nos incluir em vossa lista de blogs preferidos.
Carecemos de vossa oração.
Continue visitando o nosso espaço.
Também estou incluindo o blog do irmão em nossa lista.
Que Deus o abençoe
Daquele que ama a Assembléia de Deus e seus orgãos históricos.

Anônimo disse...

Neste texto ela conseguiu sintetizar o que infelizmente estamos passando em nossas igrejas!

Tecnologia aliada a cultura é tudo o que precisamos nos dias de hoje! Não podemos ser apenas meros repetidores mas antes de tudo agentes modificadores!

Paulo Adriano Rocha disse...

Dio Santo, isso que é um texto!

Maestro, o que será de nós, heróis da resistência, nessas últimas horas, heim? A produção em massa já chegou às igrejas e quem faz um trabalho manufaturado tende a ser deixado de lado. Temos que aguentar essas letras vazias e sem unção e, muitas vezes, fora da Bíblia.

Que Deus nos ajude a resistirmos o máximo possível, e desperte os nosso líderes a investirem mais na área musical, pois a música influencia muito a pregação, muito mais do que se imagina. Que Igreja estará formada quando vier o Filho do Homem?

Ah, obrigado pelos parabéns. Pena não ter sua presença, mas eu entendo suas ocupações, chefe! Saudações em Cristo!

Silvio Araujo disse...

Lucimauro, seu blog é uma preciosa fonte de informações históricas sobre nossa querida AD. Espero que você logo volte a atualizar aquele espaço e saiba que muitos de nós somos visitantes freqüentes, embora anônimos!
Deus te abençoe e como dizemos, fica na Paz do Senhor!

Silvio Araujo disse...

Jáder, que bom tê-lo de volta aos cometários. Realmente precisamos orar por equilíbrio, bom senso no uso (mau uso) dos recursos para o culto. Ás vezes, no afã de melhorar e dinamizar a liturgia, o que acontece é o inverso, quando não, a preocupação com a estética tira o foco na reunião que é ADORAR ao Senhor, prestar culto, louvar.
O que a autora escreveu se parece muito com o que acontece em muitas igrejas, especialmente com essa nova moda de Equipe de Louvor que apresentam músicas desconhecidas com uma "unção" toda "especial" e particular, parece que só cai poder alí, enquanto a congregação apenas assiste, inerte, enjoada, impaciente.
Que haja tecnologia, avanço, cultura, mas que isto não limite a expressão do congregação, a adoração coletiva, o louvor a Deus no culto.

Silvio Araujo disse...

Paulo, obrigado por seu comentário. Acredito que existe um texto de sua autoria sobre essa assunto, não é?
Pois bem, estamos trocando os escudos de ouro por escudo de bonze! O mais fácil, o mais prático é buscado, usado e descartado, em detrimento daquilo que fica, do ensino, do trabalho concentrado. Acho que é influencia do comercialismo mundano.
Como digo, cavar na areia é bem mais fácil do que cavar na rocha, que sangra as mãos e faz mais calos, todavia, o que é edificado na rocha permanece inabalável.
Deus nos ajude e oriente nossos lídes.

blogger disse...

Que Deus tenha misericórdia pois os a Adoração pelos corais e orquestras estão se extinguindo por causa dos oba-oba, que invadem nossas igrejas e os verdadeiro ministério do louvor (corais, quartetos, Trios) estão sendo sufocados por este seculo tão cruel. oremos para que Deus levante abra os olhos de nossos lideres para valorizar o verdadeiro ministério musical.

blogger disse...

Que Deus tenha misericórdia pois os a Adoração pelos corais e orquestras estão se extinguindo por causa dos oba-oba, que invadem nossas igrejas e os verdadeiro ministério do louvor (corais, quartetos, Trios) estão sendo sufocados por este seculo tão cruel. oremos para que Deus levante abra os olhos de nossos lideres para valorizar o verdadeiro ministério musical.

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